Estruturas Libertadoras • Um novo caminho na facilitação de grupos

Em 2015 numa newsletter sobre Facilitação, havia uma pequena nota sobre um um workshop a se realizar em Banff, no Canadá. O nome do Workshop me chamou a atenção: Estruturas Libertadoras, Incluindo e Libertando a Todos (Liberating Structures, Including and Unleashing Everyone). Curioso, busquei mais informações, e encontrei os autores do livro, The Surprising Power of Liberating Structures, que compartilham abertamente seu trabalho e apresentam um ousado caminho na facilitação de grupos.

Através do website, Keith McCandless e Henri Lipmanowicz junto a um crescente grupo de colaboradores disponibilizam as ferramentas e processos em si — mais de três dezenas de processos e métodos de se trabalhar com grupos — e também inúmeros artigos, casos de sucesso e aplicações práticas em temas como Liderança, Educação e Inovação. Todo o material é gratuito sob a licença Creative Commons, o que é um outro (grande) tópico à parte. Decidi comprar o livro pois eles sempre me ajudam tanto a aprofundar entendimento sobre o conteúdo, quanto a colocar em prática as idéias. Desde então eu e minha sócia Carolina temos experimentado e discutido estas estruturas de várias formas em diferentes cenários. Confesso que no início, resistimos e voltamos a usar os já conhecidos processos (‘não libertadores’) e isso nos ajudou a perceber melhor a diferenças. Com o passar do tempo e com a prática, percebemos pontos relevantes. Por isso me preocupei em escrever algumas linhas sobre minha percepção, e quem sabe assim incentivar outros profissionais a ao menos conhecer as tais Estruturas Libertadoras.

Para me ajudar a expor alguns pensamentos, vou trazer aqui a curiosa etimologia destas duas palavras. São elas:

Estrutura sf. ‘disposição e ordem das partes dum todo’ Do latim structura.

Liber • tador, -tação, -alizar, -ativo, -tatório, -tar, -to Livre.

Líber sm. ‘o tecido condutor da seiva elaborada ou orgânica nos vegetais vasculares’ Do latim liber.

Livre adj. ‘que pode dispor de sua pessoa, que não está sujeito a algum senhor’ ‘não ocupado, solto, descomedido, espontãneo’ Do latim liberatio.

O radical Liber descreve o tecido nos vegetais por onde flui a seiva elaborada, rica em nutrientes. Este radical é comum à palavra Livre, que define duas sentenças muito interessantes: 

  • Que pode dispor de sua pessoa. Ou seja, que é acessível a si mesmo, ou acessa sua própria individualidade.
  • Que não está sujeito a algum senhor. Ou seja, que pode assumir a liderança do processo, e mesmo decidir sobre o caminhar do processo.

As palavras Estruturas Libertadoras aproximam de forma interessante um paradoxo: Estruturar, ou seja, dar forma, e ao mesmo tempo Libertar, ou sair da forma. Viver neste paradoxo é algo muito peculiar aos Facilitadores de Processos de Grupo. Observando e trabalhando com outros Facilitadores, vivenciei diversas vezes o dilema entre o quanto é necessário estruturar um processo, e o quanto é preciso deixar ele evoluir a partir da iniciativa do próprio grupo. Esta polaridade teria por um lado o excesso de estrutura artificial, versus a completa falta de estrutura. Poderia dizer que um processo de facilitação pendula com delicadeza entre estes dois extremos.

Ampliando este conceito podemos elencar duas premissas que vão guiar os extremos desta polaridade: 

  1. É preciso controlar o processo para se alcançar o resultado determinado.
  2. O grupo é sábio e vai encontrar o melhor caminho a partir da percepção de seus próprios integrantes.

É relativamente confortável ser guiado por apenas uma destas linhas de pensamento. O apoio de uma delas nos ajuda a desenhar uma agenda muito mais ou muito menos estruturada. É mais fácil perceber estas premissas atuando em nós quando é preciso escolher entre interferir, ou não interferir no processo. Tente se lembrar da última vez em que você ficou com esta dúvida.

As Estruturas Libertadoras nos convidam a viver com ambas premissas, ao mesmo tempo, em sua plenitude. É o que vários autores nomeiam como uma terceira força. Clarificando, esta terceira força não é o “caminho do meio”, muito menos o “meio-termo”. São as duas forças polares em sua total potencialidade criando um terceiro caminho que tem mais riqueza e potência. Utilizando cores para ilustrar esta idéia, podemos pensar no preto e no branco. O “meio termo” seria um tímido tom de cinza. Um dos melhores exemplos da terceira força, combinando o claro e o escuro, nos é dado todos os dias no nascer e no pôr do Sol. O brilho pálido do meio-dia, ou a densa escuridão da meia-noite, não se comparam com a explosão de cores e nuances quando a noite e o dia se encontram.

Pôr do Sol no bairro Demétria, Botucatu • SP

Isto posto, vamos explorar brevemente uma das estruturas fundamentais, e também uma das mais simples, chamada 1–2–4-All: o processo se inicia com o convite objetivo para explorar uma pergunta, ou um tema relevante para o grupo através das etapas 1, 2, 4 e Todos (All):

1 — Um minuto de reflexão individual sobre a pergunta ou tema.

2 — Dois minutos onde uma dupla compartilha suas reflexões, dividindo o tempo em dois.

4 — Quatro minutos para que duas duplas se juntem e compartilhem as reflexões feitas nas duplas. Nesta etapa os indivíduos ampliam a conversa e podem perceber padrões emergentes (coincidências), bem como as divergências (neste caso o divergente positivo).

Todos — Em cinco a dez minutos o grupo reúne-se para ouvir brevemente cada quarteto, ou uma ‘amostra’ de um número de quartetos quando em grupos numerosos. Este momento pode ser documentado em um painel ou flip-chart para ajudar a visualizar os principais pontos.

Esta estrutura simples, e que ocorre entre 15 e 20 minutos, dá voz a todos, distribuindo o poder e a palavra por todo o grupo. A comunicação melhora sensivelmente, e o nível de engajamento cresce ao longo do processo. E por que isso acontece? 

Pela experiência prática posso apontar alguns indícios de respostas:

  • Presença. O minuto de silêncio para refletir individualmente cria um espaço de presença que é raro e rico. Cada participante tem a oportunidade de dedicar 100% da sua atenção para si e seus próprios pensamentos, sem a influência ou interferência do grupo.
  • Diálogo. No encontro de dois indivíduos presentes, a atenção agora é destinada para ouvir o outro. Um minuto para compartilhar uma idéia, um pensamento, uma percepção é um tempo bem razoável. É bastante comum ouvir comentários sobre a importância de ser objetivo e sucinto na comunicação após praticar esta estrutura repetidas vezes. A sensação de ser ouvido também é um ponto de destaque. Vozes que poderiam facilmente se calar num grupo encontram espaço e eco.
  • Conversa ampliada com qualidade. Nos quartetos vive uma curiosidade quase que infantil (no melhor dos sentidos) sobre o que as outras duplas estão dialogando. Este estado de curiosidade e atenção favorece a percepção de padrões e de divergências. Eleva-se o nível de atenção e cuidado na comunicação. É comum ver pessoas facilitando a conversa nos quartetos de forma fazer fluir os pensamentos e descobertas.
  • Conexão das partes com o todo. Ao reconectar o grupo e ouvir brevemente os pontos que chamaram atenção nos quartetos, cria-se um entendimento maior e os pontos que genuinamente merecem a atenção do grupo emergem sem dificuldade.
  • Liberando a inteligência coletiva. Repetir o mesmo processo para aprofundar o entendimento sobre um tema, ou definir próximos passos é muito rico, dinâmico e ágil. A simplicidade e o ritmo ajudam a inteligência do grupo ganhar força.
  • Indivíduos presentes assumem responsabilidades. O constante estímulo à presença individual e o diálogo de qualidade eleva o nível de entendimento sobre um tema. Despertar o engajamento é uma consequência natural. A responsabilidade e a atitude sobre o caminho a seguir emerge do grupo com seus indivíduos presentes e ativos.

Em termos de estrutura, as etapas de 1–2–4-All são simples. É o que os autores chamam de “especificações mínimas”. É fundamental ter o mínimo de estrutura que permita o máximo de participação. Este é um dos conceitos-chave para liberar o potencial do grupo, e favorecer a auto-organização. Todas as demais estruturas seguem este conceito fundamental de forma consistente. Das 33 existentes, existem estruturas mais complexas e outras mais simples. Além disso, Estruturas Libertadoras quando bem combinadas se potencializam de forma incrível: são as chamadas “strings” ou sequências. Novas “strings” e novas estruturas estão em pleno processo de desenvolvimento na linha de frente dos praticantes nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Este trabalho, que pode parecer à primeira vista um mero manual de facilitação, é muito mais próximo de um campo de pesquisa e desenvolvimento de grupos, liderança e auto-percepção. Não é por acaso que em 2016 um grupo de cientistas da NASA, a Agência Espacial Americana, solicitou uma consultoria em Estruturas Libertadoras.

O que me era um grande desafio no início, se tornou uma divertida viagem após um certo tempo de prática com variadas estruturas e diferentes combinações. Foi preciso testar e comparar com o “mundo conhecido” para perceber o enorme valor das Estruturas Libertadoras. Neste caminho, percebo que ao mesmo tempo o grupo se torna mais ativo e responsável, enquanto o trabalho do Facilitador se torna mais leve e sutil.

Para mim, utilizar estas Estruturas significa trabalhar em um estado de atenção diferente, onde se convive pacificamente com o inesperado. Resultados não planejados são muitas vezes surpreendentes. O nível de atenção e participação dos grupos é incrível quando o papel do Facilitador é compartilhado. Afinal a proposta é incluir todos, e libertar o potencial dos indivíduos presentes.

Espero que este breve artigo desperte sua curiosidade. Os links estão no início do texto. Existem também um aplicativo bem prático com todas as estruturas para leitura e escolha (procure pelo App ‘Liberating Structures’), e uma ativa comunidade no Slack (em inglês, mas com um canal #ls_brasil).

Existem duas Comunidades de fácil acesso no momento, sendo uma Internacional e outra Brasileira. Para participar de uma destas Comunidades acesse: http://www.liberatingstructures.com.br/comunidades/

Para saber das nossas próximas Imersões em Estruturas Libertadoras, acesse nosso Calendário.

Professores e Administrativo da Selkirk College participando de um Workshop com ELs.

Fica aqui o meu convite para que possamos nos encontrar em algum momento ao longo deste caminho! Se quiser conversar mais sobre Facilitação, Facilitação Virtual, Estruturas Libertadoras ou Educação Experiencial basta entrar em contato!

 

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Trabalhando remotamente de forma consistente desde 2015, tive o privilégio de encontrar pessoas incríveis ao longo do caminho que me ensinaram, apoiaram e viveram comigo diversas dores, delícias e surpresas que contribuíram com o meu desenvolvimento. Minha intenção aqui é compartilhar o que venho aprendendo e seguir trocando com a comunidade de Facilitadores.

Fernando Murray Loureiro
Praticante das Estruturas Libertadoras, Designer de Processos de Grupo e Fã da Aprendizagem Experiencial.

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